Empreendendo com a experiência: quando a prática supera a teoria

Não são raros os casos de pequenos e médios empresários que têm sucesso mesmo sem formação universitária, embora muitos deles defendam que, com um curso superior, as coisas poderiam ser mais fáceis
Por Cristina Vílchez


Uma boa ideia de negócio é o principal para empreender. Tendo um projeto em mente e os objetivos claros, o passo seguinte é conseguir o capital suficiente para bancar esse propósito. Entretanto, o que acontece se não há conhecimento suficiente para iniciar um empreendimento?
A cada ano, engenheiros, economistas e outros profissionais com espírito empreendedor enchem as aulas das escolas de negócios para adquirir conhecimentos que lhes permitam aprender a administrar e gerir uma empresa, mas também para se embeberem de ideias novas antes de darem vida a seus projetos.
Entretanto, empreender não se trata apenas de obter formação acadêmica especializada na área. Muitos são os casos de pequenos e médios empresários que somente com vontade e convicção têm desenvolvido negócios exitosos sem nunca terem frequentado uma universidade.
É o caso de Manuel Sarmiento, empresário chileno dono da Sociedade Alvico, empresa dedicada à importação de flores. Ele comenta que aos 19 anos percebeu que queria empreender. Baseando-se nos conhecimentos adquiridos durante a infância, com os negócios da família, decidiu ir mais longe no mundo das flores, e hoje, após 17 anos de esforço e trabalho, dirige e administra uma empresa, e está a cargo de cerca de 50 empregados, que fazem por onde o empreendimento tenha sucesso.
”Ter uma formação é importante, mas, em meu caso, a prática vem me dando os conhecimentos necessários. Com os anos fui aprendendo a administrar o negócio, a tratar os empregados e, finalmente, a seguir empreendendo, diz Sarmiento. E acrescenta: “conheço grandes empresários que com muita formação e títulos acadêmicos já quebraram oito negócios. Assim, não creio que o êxito esteja vinculado à formação acadêmica exclusivamente”.

Viajando por todo o mundo para levar ao Chile as melhores flores e distribuí-las para o restante do país, Sarmiento lida diariamente com organismos internacionais e está à frente da logística de seu próprio negócio. Ele admite: “quando comecei, ainda tentei estudar Engenharia em Administração de Empresas, mas nunca pude terminá-la, porque tinha deveres com meu trabalho e minha família. Eu gostaria de terminar a carreira e poder me dedicar a uma melhor formação profissional, se o tempo me permitir”.
Outro caso parecido é o de Montano López, sócio fundador da empresa Norteam Ltda., empresa dedicada a desenho e fabricação de insumos plásticos para mineração, irrigação, aspersão e peças especiais. Sem formação universitária, o esforço e o compromisso têm feito com que hoje ele dirija uma empresa exitosa e empregue cerca de vinte funcionários.

“Para empreender é preciso um pouco de loucura, o que nos permite correr riscos que, no fim, podem dar grande satisfação, mas também podem ser um fracasso total. Aí precisamos seguir em frente e, às vezes, recomeçar do zero”, explica López.
Entretanto, diferentemente de Sarmiento, López acredita que é necessário ter conhecimentos acadêmicos para lançar-se com uma ideia de negócio. “Mesmo que a experiência seja importante, sempre vai ser mais difícil abrir e organizar uma empresa sem estudos. Eu gostaria muito de ter um curso superior, mas, desafortunadamente, não tive a oportunidade. A formação universitária dá uma capacidade intelectual distinta. Não me refiro a conhecimentos, mas a estrutura e métodos para empregar, que fazem muita falta na hora de aplicar o que se aprende no caminho”.
López destaca que o primordial para ser empresário é ter capacidade de gestão. “Se não a tem, tem que conseguir alguém que a tenha. Se aos estudos você soma a capacidade de gestão, a mescla é perfeita. Sem estudos e capacidade de gestão, a mescla ainda é boa. Mas quando se tem estudos sem capacidade de gestão, não há nada a fazer”, diz.

O empresário Montano López assegura que, junto com seu sócio, Pedro Noriega, está convencido de que fizeram um bom trabalho. “Criamos laços com nossos clientes e parceiros, no sentido de que muitas vezes fabricamos para eles os produtos como eles querem, oferecemos preços competitivos, temos pós-venda com constantes visitas, capacitamos seu pessoal e sempre estamos à disposição quando precisam”, explica.
Latino americano self-made em Nova York
Reconhecido é também o caso de Luis Martínez, conhecido como “O Cobaia”, um empreendedor chileno que chegou a Nova York com ânimo para ganhar dinheiro e se converteu em um empresário de sucesso. Seu amor por amendoim confeitado lhe levou a alugar um carrinho e vender esse típico produto chileno nas ruas de Manhattan. “Ninguém acreditava em meu negócio, nem mesmo o dono do carrinho, e eu superei todos os obstáculos”, lembra. Sem documentos e sem dominar o inglês, o vendedor teve que trabalhar duro para ganhar dos seus ferozes concorrentes.

Desde outubro de 1991, com entusiasmo e perseverança, conseguiu transformar-se em um grande vendedor, superando as limitações do idioma com sua personalidade extrovertida. Cada dia batia o recorde de dinheiro arrecadado no dia anterior. Já em 2000, “O Cobaia” não só tinha 15 carros de vendas em Nova York e empregava 20 chilenos, como também se dava ao luxo de vender e arrendar pontos que ele mesmo conquistou.
Valor agregado
Gabriel Hidalgo, gerente geral de Octantis, fomentadora de negócios da Universidade Adolfo Ibanez (Chile), explica que a geração de empresários consolidados na região (América Latina) conta com números nobres, sobretudo imigrantes, que adquiriram experiência justamente porque deixaram seus países “para iniciar, com esforço e do zero, uma nova vida neste continente”. A favor disso, o especialista destaca que, para empreender é extremamente importante ter educação superior, já que, em termos estatísticos, essa seria a única variável que se correlacionaria com o êxito. “Um engenheiro ou técnico pode elaborar uma oferta sofisticada com mais valor agregado, diferenciação ou inovação, e tem uma probabilidade maior de ter êxito na hora de empreender”, diz.
Hidalgo afirma que, na América Latina, a maioria dos pequenos e médios empresários que encabeçam os empreendimentos tem educação técnica, universitária e, inclusive, pós-graduação, ainda que, nesse caso, seja um percentual menor. De toda forma, ele salienta que a cada dia tem-se conhecimento de mais empreendedores orientados à ação, “que não fazem um plano e partem logo para um negócio, embora mais bem organizados e orquestradores de compromissos e recursos, mais conseqüentes que causais”.
“Amar Bhide, acadêmico da Harvard Business School, diz em um de seus artigos: ‘fogo-disparem-apontem’. Nisso, a formação pode ser muito diversa, e não necessariamente em negócios. À medida que o processo for permitindo fazer uma empresa ter sucesso, a iniciativa precisará passar de muita força e intuição a algo mais organizado e profissional”, acrescenta o acadêmico chileno.

Por fim, ainda que os especialistas em geral concordem sobre a importância de se ter uma formação adequada antes de iniciar um negócio, é importante lembrar que o primordial para um empreendedor será mesmo estar decidido e disposto a correr riscos. Empreender é uma loteria que depende de muitos fatores. Entretanto, sem dúvidas, os conhecimentos em gestão ou administração de empresas serão valores mais que agregados para alcançar o sucesso.


Cristina Vílchez