O casal dançando em roupa de baile, envolto por notas musicais e denotando um clima romântico.
A jovem em trajes típicos de leiteira, lembrando a ingenuidade do campo, a pureza. A deusa Minerva segurando uma âncora, símbolo de segurança e compromisso.
Todas essas imagens têm algumas boas décadas de vida.
Mas, longe de parecer antiquadas, têm o charme dos produtos clássicos.
Num Mundo de tantas mudanças, e tão aceleradas, com imagens fugazes e passageiras, elas trazem ao consumidor o conforto do conhecido, mas nem por isso menos sedutor.
Para as empresas que as possuem, representam verdadeiros patrimônios visuais que se traduzem em muito dinheiro, pois passa signos de contabilidade.
EmbalagemMarca fez um levantamento de algumas de nossas embalagens antigas e de suas histórias. Verificou que, em muitos casos, elas têm na verdade sofrido diversas modificações ao longo do tempo, mas tão sutis que passam desapercebidas aos olhos do consumidor.
Às vezes é uma letra que se inclina, ou um splash que é acrescentado.
Outras vezes as mudanças são técnicas, envolvendo tipos de impressão ou o tipo de material utilizado.
"É mais ou menos como o Fusca", compara Auresnede Stephan, professor de design. "Desde que foi desenhado pelo Ferdinand Porsche até o modelo que ainda hoje é produzido no México, várias mudanças ocorreram, mas a estrutura básica foi mantida".
Produtos e embalagens clássicos, na verdade, mudam para permanecer iguais e ter o mesmo apelo de sempre.
Não o apelo da nostalgia, das coisas paradas no tempo.
Mas aquela característica tão perseguida e difícil de "fabricar" que é falar ao coração do consumidor, mexer com a sua memória afetiva.
O primeiro bombom brasileiro surgiu em 1938, com um tamanho menor do que o atual e uma embalagem tosca, simplesmente embrulhado em papel estanho vermelho e recoberto com celofane transparente.
Como rótulo, um selo preto central continha o nome do produto e o desenho de um violão. Era vendido por quilo, só em bombonieres, e consumido por mulheres.Buscando agregar o público masculino, em 1942 a Lacta introduziu algumas modificações- aumentou o tamanho do bombom, decidiu passar a vendê-lo por unidade e ampliou sua distribuição para bares, armazéns e outros locais mais populares.
Para atingir esse alvo, o celofane deixou de ser transparente e passou a ser cor maravilha, nome extraído de uma flor.
O violão e o nome do bombom passaram a ser gravados no celofane cor de maravilha, e ao seu lado foi introduzida a figura de um casal dançando em traje de gala com a incorporação, portanto, de uma figura masculina.
Nas bordas foram impressas algumas notas musicais extraídas de urna valsa do compositor Johann Strauss. O Produto ganhou, ainda em 1942, uma campanha publicitária que sugeria: "Saboreie um bombom com a sua namorada".
A embalagem no tom forte da maravilha tornou-se a marca registrada do Sonho de Valsa e "foi fundo no romântico coração brasileiro", segundo a professora Andréa de Souza Almeida, que fez do caso tema de sua tese de pós-graduação. A dissertação de mestrado foi desenvolvida na Universidade Mackenzie, em 1998.
O título não deixa dúvidas: "A sedução da comunicação visual: Embalagem do bombom Sonho de Valsa".Andréa apurou que, de 1942 para cá, a embalagem do Sonho de Valsa permaneceu praticamente inalterada, apenas com sutis mudanças no formato das letras no selo e na roupa dos dançarinos com a introdução de outros instrumentos musicais.
A receita também continua a mesma - um wafer recheado com massa e pedacinhos de castanha de caju, coberto com duas camadas de chocolate.
A feliz combinação de conteúdo e continente fez do Sonho de Valsa um verdadeiro fetiche, ansiado por muitos brasileiros que moram no exterior, e um produto muito bem sucedido comercialmente, deixando bem atrás o Sedução, da Nestlé, e o Serenata do Amor, da Garoto, seus concorrentes mais diretos.
A professora arremata: "A embalagem seduz à medida que chama atenção do consumidor. Através de um apelo visual, ela provoca uma atração, que gera um desejo, atingindo o inconsciente. Nesse estudo de caso específico, a sedução efetiva-se através de um clima que envolve toda a embalagem."Se nesse meio tempo a Lacta mudou de mãos, comprada em 1996 pela multinacional Philip Morris, o que não se alterou foi a compreensão do poder de atração dessa antiga embalagem, com seu clima romântico agora acentuado pelo slogan criado pela agência Full Jazz: "Sonho de Valsa.
O amor tem esse sabor."A moça de sempre , desde a virada do século passado.No dia 22 de janeiro de 1890, um discreto classificado publicado no jornal O Estado de S. Paulo anunciava a chegada de um novo produto para venda "a varejo e em grosso" na Drogaria São Paulo, na Rua São Bento. Era o leite condensado da Nestlé, um ótimo alimento para as "crianças".
O rótulo trazia grande a inscrição "condensed milk", secundado pela expressão "milkmaid brand", uma tradução para o inglês de La Laitière, ou vendedora de leite, com que o produto tinha nascido na Suíça. No centro do rótulo, em destaque, destacava-se o desenho de uma jovem suíça em trajes típicos de leiteira, com um balde de leite na cabeça e outro numa das mãos.
Mais de um século depois, muita coisa mudou no país e no padrão alimentar dos brasileiros, mas o leite condensado continua com a mesma imagem da virada do século - a jovem com ar de camponesa é até hoje o ícone principal do produto, o formato da lata não mudou as cores do rótulo são as mesmas.
No início, o rótulo era todo em inglês, sem qualquer preocupação de adaptação ao público brasileiro. Muitas pessoas, contudo, tinham dificuldade de pronunciar o nome e começaram a chamá-lo espontaneamente de "leite da moça". A denominação popular foi oficializada em 1921, quando a Nestlé começou a produzir o leite condensado na recém-inaugurada fábrica de Araras, no interior de São Paulo.De lá para cá, manteve-se intacta a estrutura básica da embalagem, embora várias atualizações tenham sido feitas.
É preciso ter a paciência de um viciado no jogo dos sete erros para detectar as alterações, especialmente quando não se dispõe de uma coleção seqüencial das latas. Elas foram muito sutis. Várias mudanças se referiram à diagramação e à hierarquização das informações em texto e visuais.
Progressivamente a palavra Moça foi adquirindo um peso maior e na última mudança, nos anos 90, começou a ser impressa na diagonal. A forma como a empresa assina o produto foi se alterando.
Se no início ela vinha num quilométrico "Nestlé & Anglo-Swiss Condensed Milk Co.", na frente da lata, aos poucos foi incorporando apenas o logotipo Nestlé e o signo do ninho com pássaros, que também vem mudando na mesma toada - ligeira e sutilmente.O Leite Moça foi concebido para uso apenas como bebida.
Com a simples adição de água, obtinha-se o leite integral, já adoçado. A vantagem era o fato de não estragar mesmo se guardado durante meses, uma propriedade importante em períodos de escassez de leite. Ele sobreviveu à introdução da geladeira e de outros sistemas de conservação porque passou a ser usado não mais como bebida, mas como ingrediente de uma infinidade de doces. Talvez nenhum outro produto de consumo tenha se tornado um ingrediente tão tipicamente brasileiro como ele, indispensável em "doces de festa" como o brigadeiro e em sobremesas como o pudim de leite, a ponto de o Brasil ter se tornado, há algumas, décadas, o maior mercado mundial de leite condensado açucarado, posição em que se conserva firme ainda hoje.Atenta a esses novos usos, a Nestlé progressivamente lançou desdobramentos do produto, como a versão com chocolate ou com café, a linha Leite Moça Festa, a versão com leite desnatado.
Em nenhum momento em mais de um século, contudo, a empresa abriu mão dos signos básicos que fazem do Leite Moça um dos produtos de maior contabilidade no mercado brasileiro, detentor de uma fatia de aproximadamente 60% de seu segmento.
Minâncora, um desejo e um compromisso
A pomada Minâncora foi formulada pela primeira vez em 1915, pelo químico e farmacêutico Eduardo Gonçalves, um imigrante português, tataravô da geração hoje à frente da empresa.
O nome do produto é uma junção entre Minerva, a deusa da sabedoria, e âncora, que simbolizaria o desejo e o compromisso do imigrante de fixar-se com a família no Brasil - em Joinville, interior de Santa Catarina, onde ainda fica a sede. O logotipo é o "retrato" dessa filosofia, e permanece intocado desde então, sem que haja registros de seu autor.A embalagem escolhida para a pomada foi uma latinha redonda. Desde o início ela estampa o logotipo em sua parte frontal. As mudanças se limitaram à parte posterior e laterais da embalagem. Segundo Laury Bueno, gerente de marketing, "as mudanças atenderam a exigências legais, por exemplo as determinações do código de defesa do consumidor. Tornou-se obrigatório informar a formulação, modo de armazenamento, químico responsável etc. Já a etiqueta lateral tem o código de barras, e usa tinta reativa a partir da nova legislação de prevenção de fraudes".As alterações foram muito sutis. Folheando exemplares dos anos 20 da Revista da Semana, com anúncios, Bueno constata que a letra usada no logotipo ficou ligeiramente mais encorpada, mas não sabe dizer quem se responsabilizou por isso.
A alteração mais significativa foi no material usado na embalagem. As folhas de flandres do projeto original foram substituídas em 1993 por plástico.
"Há poucos fornecedores de latinhas para cosméticos e medicamentos no país e elas são caras", ele explica. "0 sistema de corte e repuxo é meio ultrapassado, e a cadeia produtiva mais complexo', diz.
"Já em plástico, uma vez que você investe nos moldes e se torna proprietário deles, pode optar por fornecedores.
Há milhões de fabricantes de plástico no país.
A garantia do fornecimento é muito maior."Para Bueno, o consumidor viu o plástico como "um sopro de modernidade" num produto tradicional.
Adélia Borges é designer. Publicado na revista EmbalagemMarca, Ano I, nº 3, agosto de 1999. Este texto foi copiado do Boletim Fiesp/Detec nº 07, publicado em 30.08.1999 no site http://www2.ciesp.org.br/detec1/boletim/