Ultimamente me habituei a escutar essa frase seguida de uma expressão facial de estranhamento. Estou há três anos e meio pesquisando e ministrando aulas sobre Branding, na PUC-Rio, e tive a oportunidade de me confrontar com diversos conceitos e definições, sem contar as inúmeras afirmações de “paternidade” ou “maternidade”: alguns dizendo que o Branding surgiu no Design e outros, que é um “método” originado da Publicidade. Tem quem diga que a origem vem da área de Administração, Marketing. Até a Gestão do Design reivindica o título. Todos munidos de exames de DNA muito convincentes.
A grande verdade é que o termo está na moda, como diria minha avó, está na “crista da onda”. No segmento de design isto pode ser notado pela mudança da nomenclatura de alguns escritórios, principalmente das regiões sul e sudeste do país, que se tornaram “agências” ou “consultorias” de Branding.
Esta substituição terminológica tem causado uma série de confusões tanto no âmbito acadêmico quanto no profissional, todos estão “fazendo branding”. “Fazer branding” se tornou uma referência no mercado – de estar ou não atualizado.
Mas será que todos os escritórios que se intitulam consultorias de Branding trabalham realmente com este conhecimento?
Acredito, na verdade, que quem realmente “faz Branding” não são os profissionais de design, comunicação, administração, etc, que são agentes no processo, mas sim o detentor da marca que, em dado momento, passa acreditar que a marca é seu principal ativo e o produto ou serviço oferecido é apenas um suporte de uma série de outras manifestações simbólicas construídas pelos indivíduos que se relacionam com a marca (sejam seus funcionários, clientes, parceiros de negócio, etc).
Sendo assim, o mais importante é levantar algumas questões, hipóteses que possam gerar reflexões sobre um conhecimento que, ao meu ver, ainda está em formação, sistematização. Primeiro parto do principio que as coisas surgem antes de serem nomeadas, ou seja, antes de se falar e escrever a expressão Branding, com o uso ligado a aspectos de construção de marca, a “coisa” em si já existia e a palavra já era usada com outros significados.
Vamos começar buscando a etimologia da palavra. O termo é gerúndio do verbo da língua inglesa to brand (marcar) e possui relação com a prática de marcar gado, cabras, cavalos e ovelhas. Foram encontradas referências a este hábito em imagens de bois “marcados” com hieróglifos em lápides que datam de 3000 A.C.
Também no ano de 1346 durante a guerra dos Cem Anos, os cavalos ingleses eram identificados com uma marca imperial, depois conhecida como a marca do rei. Entretanto, somente nos Estados Unidos esta prática foi inspirada por interesses comerciais. As marcas eram registradas no Livro de marcas do estado.
Regras foram desenvolvidas a fim de especificar como e onde os animais deveriam ser marcados e como as marcas seriam descritas verbalmente. (Mollerup, 1998).A inglesa Jane Pavitt enfatiza esta idéia dizendo que “A origem do termo ‘marca’ (brand) em um sentido atual é relativamente nova. Deriva da prática de marcar ou gravar de uma forma permanente uma propriedade usualmente com um ferro quente. O gado ou rebanho era marcado desta forma, mas isto igualmente sinalizava uma desgraça. Os criminosos também eram marcados com a “marca da infâmia” por uma tatuagem ou por um ferro quente.
Branding, então, sinalizava uma perda de estima que não pode ser restabelecida e poderia ser publicamente reconhecida. Seria bastante precipitado tentar afirmar aonde começou o uso do termo Branding com o sentido atual (o qual abordaremos em breve), mas alguns acontecimentos são significativos e influenciaram de forma emblemática o seu cenário.
O primeiro deles é o surgimento dos sistemas de gerenciamento de marcas (Brand Management) dentro das empresas. Na década de 30, empresas multimarcas como a Procter & Gamble (que no Brasil é detentora de marcas conhecidas como Hipoglós, Ariel, Ace, Vick Vaporub, etc) implantou ”times” de gerenciamento de marca que seriam responsáveis pelo desenvolvimento do produto, seu programa de marketing, sua coordenação de fabricação e vendas. Naquela época, a necessidade de formulação de um sistema de gerenciamento partiu da observação de que, às vezes, a maioria dos esforços era direcionado apenas para a marca que obtinha maiores lucros, e que esse lucro surgia de ações descoordenadas.
Então, o raciocínio básico residia no fato de que a partir do momento em que cada marca tivesse uma equipe responsável, com seu respectivo “gerente”, seria possível entender as demandas de uma forma mais clara e consistente e potencializar as vendas de todas as marcas do portifólio de uma empresa. (Aaker, 1991).
O surgimento de escritórios especializados em projetos de identidade de marca e imagem também foi um fato importante. Podemos citar como exemplo as norte-americanas Landor Associates e a Lipincott&Margulies, fundadas em 1941 e 1943 respectivamente, que tiveram um papel fundamental, pois foram pioneiras em projetos de design de embalagens e identidade de marca nas décadas de 40, 50 e 60, desenvolvendo projetos para empresas como a Tucker, Coca-Cola e Xerox. Na Europa, a suíça Zintzmeyer & Lux também alcançou bastante notoriedade ao desenvolver programas de identidade para empresas como a Nestlé e BMW.
A Interbrand, fundada na Inglaterra em 1974, e que originalmente atuava apenas em projetos de Naming (desenvolvimento de nomes para marcas), posteriormente passou a desenvolver projetos de identidade de marca e se tornou mundialmente reconhecida por trabalhar com o conceito de Brand Valuation (processo de identificação e mensuração de vantagem econômica – valor financeiro de marca).
O mesmo se deu na Ásia com a japonesa PAOS. Fundada por Motoo Nakanishi, em 1968, teve um papel relevante desenvolvendo projetos para diversas corporações japonesas, como a Mazda, Bridgestone, Ricoh e Kenwood. No entendimento da PAOS, o design não era limitado a artes gráficas, identidade visual para empresas, design de produtos ou embalagens.
Qualquer forma de expressão corporativa era vista como detentora de valor e estética, e, conseqüentemente com potencial para diferenciar a empresa e seus produtos da concorrência.
Para Nakanishi, a organização não é vista apenas como criadora de produtos e de lucro, mas como “criadora de cultura” para clientes, funcionários, investidores e a sociedade em geral. (Schimitt e Simonson, 2000).
O surgimento de organizações sem fins lucrativos de fomento da cultura do design nas empresas através de várias atividades educacionais, primeiro o Design Council na Inglaterra em 1944, depois o Design Management Institute na década de 70 e a Corporate Design Foundation formada em meados da década de 80 nos Estados Unidos, ajudaram a disseminar o conceito do design corporativo. (Schimitt e Simonson, 2000).
A onda de aquisições dessas empresas por grandes grupos de propaganda e marketing, a partir de meados dos anos 80, ajudou a compor o cenário do Branding. A consultoria Marsh&McLennan incorporou em 1988 a Lippincott&Margulies, que passou a se chamar Lippincott Mercer; e em 1990 a Young&Rubicam, do grupo de comunicação britânico WPP, comprou a Landor Associates. A Interbrand foi incorporada em 1993 pelo grupo de comunicação Omnicom e, posteriormente, a Zintzmeyer & Lux foi fundida à Interbrand em 96.Estes acontecimentos apontam caminhos de convergência entre conhecimentos de design, marketing, administração, propaganda, etc com o intuito de construir uma proposta inovadora de identidade de marca.
Este sistema de ações interdisciplinares, que vêm a ser o Branding, busca o estabelecimento de imagens, percepções e associações pelas quais os diversos públicos que influenciam uma organização irão se relacionar com um produto, serviço ou empresa.
Na próxima coluna tratarei dos eventos de formação do cenário do Branding no Brasil. Até breve e um grande abraço.
Por Delano Rodrigues