Por Paulo Oliva
O termo regionalidade é utilizado neste texto para qualificar as ações que resultam do esforço conjunto de todas as áreas produtivas que visam destacar, desenvolver e difundir as habilidades e características de uma região, procurando torná-la um centro de referência.
Essas ações necessitam de pesquisas qualitativas, de novas tecnologias adaptadas às suas realidades, de matérias primas alternativas e de metodologias apropriadas aos processos de produção, que dinamizem as atividades e habilitações locais, sem alterá-las em sua essência. Dessa forma, o designer que estiver comprometido com a cultura regional e com esses processos produtivos terá um papel importante no seu desenvolvimento, pois, além da formação acadêmica e do conhecimento técnico, conseguirá fazer com que suas contribuições sejam mais facilmente compreendidas por todos os envolvidos.
Por outro lado, o desenvolvimento pode ser entendido como um processo de potencialização das oportunidades e características existentes em cada território.
Em face das diferenças geográficas, econômicas, sociais e culturais existentes, em especial aquelas referentes à atividade do Design, percebe-se uma participação considerável de profissionais comprometidos com suas regiões, não só contribuindo, efetivamente, na formulação de políticas que visem destacar e valorizar a produção e os produtos, como também contemplando, em seus projetos, as influências culturais e especificidades da região onde estão inseridos.
Motivado pela necessidade de discutir questões relativas ao desenvolvimento descentralizado e a identidade da produção regional, foi criado, em novembro de 1996, o Programa Brasileiro de Design - PBD. A iniciativa envolveu alguns conjuntos de autoridades governamentais, empresários, representantes dos segmentos da sociedade civil, instituições acadêmicas, profissionais de Design e outras áreas afins e teve como objetivo qualificar a exportação nacional, mais propriamente, o produto brasileiro, visando torná-lo mais competitivo.
Como conseqüência, sua criação suscitou o surgimento, em quase todo o país, de Programas Estaduais de Design. Dentro dessa perspectiva, os programas foram catalisadores de conversas e de ações e promoveu discussões em diversos níveis. Essa atividade, além de ter possibilitado a identificação de um contingente de profissionais disposto a "arregaçar as mangas", de forma até ousada e contundente, sensibilizou as autoridades e a cadeia produtiva brasileira, no sentido de perceber a atividade de Design como economicamente necessária e estrategicamente indispensável.
Mesmo tendo consciência de que, do ponto de vista dos resultados consolidados pelas entidades governamentais, as ações empreendidas pelo programa nacional e seus similares estaduais tenham sido modestas, pode-se constatar que desencadearam o início de um movimento descentralizador, dos diferentes participantes da cadeia produtiva nacional, cuja essência se expressa no reforço das características e habilidades específicas e na manifestação da cultura de cada local, contrapondo-se, mesmo que timidamente, ao traço histórico de conservadorismo manifesto na ênfase até então posta somente na ampliação e no fortalecimento dos centros mais desenvolvidos.
Hoje, mesmo com enormes distorções e simplificações, o Design é uma atividade reconhecida como fundamental para quem procura qualificar seus produtos e torná-los mais competitivos, independente da região onde estejam sendo produzidos. Como exemplos, podemos destacar algumas iniciativas: - o crescimento, o reforço em qualidade e o investimento em Design do pólo moveleiros gaúcho, revelados não só em eventos como a Feira Movelsul, mas também no aumento significativo de
suas exportações, com resultados expressivos para a economia da região e do País; - a qualidade e os aspectos nitidamente regionais percebidos na produção moveleira mineira, que propiciou a organização dos profissionais de Design daquela região com o objetivo de assessorar e aprimorar o produto local; - a criativa e diversificada produção da indústria e dos designers de mobiliário paulistas, que, em função de seu arrojo e expressão formal, apresentam uma nítida característica urbana e cosmopolita com aceitação internacional; - as características culturais, os materiais e as habilidades técnicas que impregnam a pequena e crescente produção moveleira pernambucana, que, por sua originalidade e qualidade, sensibilizou os europeus, na última Feira de Milão. - também em Pernambuco, na região do Agreste, a efetiva participação do Design no fortalecimento do setor de confecção, que leva em conta as habilidades e a tradição do segmento, nas cidades de Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe, comprovam o citado movimento descentralizador.
Esse movimento, em Pernambuco, é resultado de um plano de identificação dos arranjos produtivos promovido pelo Governo do Estado, que visa a implantação, entre outras, de Centros Tecnológicos.
O projeto, que tem nas habilidades dos municípios e da região em seu entorno a referência básica, baseia-se em três pontos principais: a educação profissional, o estímulo à capacidade empreendedora e a inovação tecnológica, na qual se insere claramente o Design. Com esse intuito, levando em conta as características e habilidades de cada região, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente vem discutindo com as instituições envolvidas nessas identificações e com a Rede Pernambucana de Design um modelo de gestão para os cinco primeiros pólos: o do Gesso, no Araripe, o de Vitivinicultura, em Lagoa Grande, o de Caprino-ovinocultura, em Serra Talhada, o de Laticínios, em Garanhuns e o já citado de Confecções, em Caruaru. Pretende-se estabelecer uma ação focada na solução dos problemas dos diferentes arranjos produtivos e já está definida a implantação de pelo menos um Núcleo de Design, coordenado pela Rede Pernambucana de Design, visando atender as demandas do pólo de confecção de Caruarú. Poderia, ainda, estender-me citando outras ações nas quais as questões relativas a regionalidade estão claramente presentes. Penso, no entanto, que é necessário consignar, a importância do envolvimento de instituições, como a CNI - Confederação Nacional da Indústria, preocupada com a identificação da demanda de Design em todo o país; o SEBRAE, que vem discutindo as nossas características mais identificadoras e "exportáveis" no Projeto Cara Brasileira e a inclusão do Design na assessoria a micro e pequenas empresas; e, mais recentemente, as Redes Estaduais de Design, instaladas em vários estados do País, com seus centros e núcleos voltados para o apoio dos arranjos produtivos de cada uma das regiões.
Penso que o importante nessa abordagem sobre a regionalidade é compreender que vivenciamos um inevitável movimento descentralizador, onde múltiplos e pulverizados centros menores nos apresentam suas criações, com características e habilidades específicas, desenvolvidas com o apoio dos designers locais e que essas contribuições não são melhores, nem piores, do que aquelas de regiões mais desenvolvidas. São apenas diferentes.
Não é possível deixar de perceber a existência de uma efervescente, importante, criativa e inovadora prática em desenvolvimento nas supostas "periferias produtivas" menos dotadas. Considero que, entre todos os envolvidos, o designer é um dos melhores atores dessa transformação e tradutor de cada uma das qualidades e da cultura de cada uma de nossas regiões.
O País possui um incrível e fantástico exército de obstinados que, mesmo muitas vezes isolados em seus redutos e limitados em suas ações, procuram, de forma competente, fazer com que a atividade profissional seja reconhecida e respeitada.
É fundamental que não se analise a questão da regionalidade por um viés regionalista obtuso e coorporativo e se perca a possibilidade de vivenciar o rico e frenético surgimento de novos personagens neste cenário onde o Design se consolida com suas contribuições e competências.
Paulo Oliva é arquiteto e designer, formado pela Universidade de São Paulo em 1974, com especialização em Design Gráfico e de Produto, com atuação profissional e docente desde a década de 1980. Com a OLIVA Design, em Recife, desde 1986, foi a responsável pela criação de marcas e desenvolvimento das linhas de embalagens ganhadores de prêmios na região. Foi Presidente da APD-PE - Associação Profissional dos Designers de Pernambuco, até 2003.