Antes dos anos 90, o design era dominado pelas agências de publicidade, e quando o cara criava a identidade visual dele numa dessas empresas já era visando campanha, ou seja, design era um meio e não um fim em si. A idéia da pura identidade empresarial ainda era difusa.
Naquela época também, design era algo trabalhado por profissionais de criação pura e os layouts eram executados por arte-finalistas em suas mesas de trabalho com nanquin, tira linhas, curvas francesas e um monte de outras traquitanas. Ou seja, só uma elite (e põe elite nisso) trabalhava diretamente com o design e o consumia: a elite dos profissionais de criação, em sua maioria com formação ou cursos de extensão no exterior, a elite dos arte-finalistas, pessoas que tinham que aliar seu talento com uma puta capacidade técnica de dominar toda aquela equipamentária e a elite de clientes que pagavam por publicidade.
Nos anos 90 viaram essas maquininhas que estamos usando nesse momento para escrever essas mensagens e trocar informação. Então, a necessidade técnica imensa que o antigo arte-finalista tinha que ter pra trabalhar, caiu. Hoje conheço muitos designers que, se você der um papel e uma caneta na mão deles, não sai absolutamente uma linha boa que seja e ainda assim são puta designers!
O que isso quer dizer? Pessoas que tinham talento para a coisa puderam exercer o ofício, pois não necessitavam mais da habilidade manual (ainda estou falando da arte-final, ok?) e das ferramentas que na época eram caras (é só vocês verem nas papelarias, pra montar um escritório de design a moda antiga gasta-se mais do que comprando um computador), tenham certeza de que muitos de nós não estaríamos nesse lance se não fosse essa "revolução" (não é uma revolução de verdade, por isso vai entre aspas).
Outra consequência é que o profissional de criação pura, fundiu-se com o técnico na hora da execução do trabalho e para os poucos profissionais de criação pura que ainda existem ficam os operadores (o profissional técnico de hoje, que necessita de bem menos formação do que antes, afinal, qualquer um opera Corel ou o que quer que seja, mas uma minoria manipula decentemente uma caneta de nanquin).
Resultado final? Febre.
A febre de design que começou nos anos 90 e está eclodindo até hoje. Eu fiquei espantado porque outro dia vi um desses cadernos de vestibular e vi que a proporção candidato/vaga para as cadeiras de design nas faculdade cresceu imensamente. Quando eu fiz para PV (Programação Visual) na UFRJ era barato de 9 ou 12 candidatos por vaga e hoje bate fácil 30 ou 40 candidatos por vaga. É quase tão popular quanto direito, medicina, publicidade e essas faculdades mais notórias. Como eu disse, muitos bons designers existem hoje graças a esse cenário; designers estes que iriam vender sapatos ou ter qualquer outra profissão em tempos passados, mas nem tudo são flores.
"A tal 'cultura em design' não vai vir de dentro para fora. Essa cultura vai vir de fora pra dentro: o mercado vai perceber o que é bom e o que não."
Esse inchaço de mercado, que trouxe gente boa e gente ruim (normal isso) veio acompanhando a demanda. Ter design passou a ser diferencial, as empresas passaram a procurar esse serviço justamente porque, com os computadores, ele ficou mais viável financeiramente pro pequeno e pro médio empreendimento. Nesse estado inicial da coisa, o importante é ter design, onde design significa que você, empresário, pagou alguém pra fazer uma marca pra ti e ponto final. O resultado é esse que assistimos, coisas boas que antes não seriam viáveis, coisas médias e coisas hediondas feitas muitas vezes por escritórios reconhecidos de design e por aí vai. O bom e o ruim aparecem indiferente da origem.
Vivo falando isso aqui: já vi muito designer "profissa", desses que cagam goma pra sua formação, conceituais e estudos pra no final fazer merda enquanto micreiros despretenciosos, chegam e tem boas sacadas vez ou outra.
Tirando fora o mérito sobre os trabalhos e analizando isso mais como mercado está tudo dentro do normal. Design é um estudo que não tem nem um século direito; estourou junto com a sociedade imagética que vivemos hoje em dia e nesse caos de informação rola de tudo. Mas os fatos são que hoje em dia é mais fácil fazer design do que antes e é mais barato consumir design do que antes, isso faz com que o mercado consuma mais design do que antes e tenha mais profissionais que antes.
Olhando pra fente e comparando o fenômeno com outros do mesmo tipo o que podemos especular é: uma hora o mercado vai saturar.
Todas as empresas já terão "design"; todo mundo terá uma identidade visual projetada por um designer, indiferente se custou R$ 1,99 ou mil dinheiros, mas terá. Aí vão surgir novos diferenciais que não apenas o design. Na minha opinião, a tendência é que o diferencial passe a ser o "bom design", onde "bom" se lê como funcional. Os empresários, que são os nossos consumidores, vão poder comparar, calcular o custo/benefício e chegar a conclusões do tipo "é: vale a pena pagar bem por uma identidade porque essa que eu fiz com o meu sobrinho não está dando tanto resultado quanto aquela que fulano fez com aquele bom rapaz que estudou design".
Antes disso, tentar convencer um empresário com papos conceituais não funciona simplesmente porque não é a linguagem dos caras.
Tem que rolar números para chegar e argumentar e esses números ainda vão acontecer. O que se tem hoje é pouco e se aplica muito mais a grandes projetos de brand marketing. Se eu chegar com isso pra um micro empresário, por exemplo, ele na hora vai falar algo como "eu não sou a Shell" e ele estará certo mas eu ainda não tenho como provar a funcionalidade do design em pequena e média escala, mas vou poder.
Não sei se ficou claro mas penso em algo assim, a tal "cultura em design" não vai vir de dentro para fora, com um grupo de designers messiânicos que vão peregrinar pelo mundo pregando como design é bom, engorda e faz crescer. Creio que essa cultura vai vir de fora pra dentro, ou seja, o mercado vai perceber o que é bom e o que não é e só vai ficar aqueles que realmente se preocupam com esse tal design, que o estudam, coisa e tal. Para o mercado perceber isso vai ter que ter a fase que passamos agora, ela está aí para gerar os parâmetros que vão reger o mercado daqui a um tempo.
Sei lá, algo assim...Dúvida e discordâncias por favor.
Romulo Marques