* Design e Cultura

Por Pedro Inoue

Em 98 trabalhei na Bienal da ADG com a Adélia Borges e depois na comissão de design e tecnologia, com a Priscila Farias, o Gustavo Piqueira e o Marcello Montore.
Bons tempos aqueles. Aprendi bastante porque sempre ouvi os outros falarem.
E aprendi também que chega uma hora que tem que falar. Senão, passa. Design x Cultura Recebi um e-mail da Angela semana passada me sugerindo o tema: design x cultura. Me perguntei o porquê do xis no meio das duas palavras. Seria um xis tipo 'versus'? tipo jogo de futebol? competição? Eu lembro de quando era moleque, no colégio Poço do Visconde, um amigo meu escreveu na árvore com um canivete, Rodrigo S x Ana M - e a tal da Ana não entendeu do que se tratava.
Como anda a sua idéia de cultura atualmente?
"Toda vez que escuto a palavra cultura pego meu talão de cheques" Barbara Kruger Vivo em Londres com um chileno e uma alemã, me acostumei a tomar chá com leite, a tomar chuva na cabeça e vento frio na cara.
Trabalho há quase dois anos com o Jonathan Barnbrook, na Barnbrook studios. Jonathan tem um trabalho altamente cultural e preferiu montar um estúdio de pequeno porte e fazer trabalhos que considera mais interessantes ao invés de montar um mega-esquema-escritório-atrás-do-dinheiro. Isso me fez mudar muito, me fez olhar o design de outra maneira. Acho que viver por aqui, nessa sociedade de consumo onde o coração é o lucro, a minha idéia de cultura anda completamente poluída.
Por esses lados o poder da imagem fica muito claro e chega a limites absurdos e num mundo onde 35 mil crianças morrem de fome e 500 milhões de latas de coca-cola são consumidas diariamente, qualquer idéia de limite é absurda.
Claro que você acha outros grandes agentes de cultura fora dessa confusão toda, morando numa cidade multicultural como essa. Mas que o time da cultura-global-fast-junk-food anda ganhando de lavada é fato.
Pesquisas apontam que somos atingidos por 3 mil propagandas diariamente.
A impressão que tenho é que tudo é manufaturado diretamente para você, no horário nobre, a cores e ao vivo. Qualquer idéia de vanguarda vira o último cartaz da Nike, a cultura popular é usada para vender jeans Levi's e o que chamamos de 'cool' é o último comercial da Ford. Qual a conseqüência disso? Quando não existe mais alternativo.
Quando tudo é "main stream".
Quando tudo que atinge seus olhos não te conta uma história diferente e sim tenta te convencer a consumir mais uma estilo de vida indispensável para que sua existência seja completa. Materialmente e espiritualmente.
"O imperialismo norte-americano está vindo para um país próximo de você. Aguarde." Enquanto na Europa, os movimentos como a Bauhaus, De-Stijl e o Construtivismo buscavam um certo alinhamento com a produção de massa e a política social, a America do Norte fazia do design uma ferramenta eficiente na busca de lucro.
A frase "forma segue função" é substituída por "estilo segue vendas". Todos esses movimentos foram despidos de seus significados e utilizados apenas como estilo visual para vender mais produtos. E isso é presente até hoje em
dia.
A Nike utilizando da máscara de grafite de spray - usada pelos grupos anti-captalistas. Shell gravando comerciais em prol do meio ambiente.
Agregue a imagem. Esqueça o conteúdo. Design = Cultura Eu acredito que design é cultura. Todos criadores e comunicadores são agentes culturais. Tudo que involve criação está criando cultura no mundo atual. A impressão que tenho de Londres é que a linha que divide arte de design é menos delineada.
Tem artista que faz trabalhos de design e vice-versa. Existe muita experimentação no campo de comunicação visual, quase que uma constante re-invenção do meio. A poesia visual e música da Tomato, as colaborações com arquitetos da Designers Republic, exposições temáticas da Why Not Associates. Enxerguei também, novas maneiras de utilizar a comunicação visual para discutir o mundo a nossa volta.
A especialização na comunicação de idéias de uma forma visual é um poder de expressão que atinge centenas e centenas de pessoas. E no geral todos tem essa arma na mão: de poder informar e influenciar. Não acredito que nós - designers - somos os donos da razão, que devemos ditar qual o caminho que todos devem seguir.
Mas que nossa posição é muito preciosa e carrega consigo uma grande responsabilidade. Então cadê a discussão?
"O Design não muda o mundo, pessoas mudam o mundo". Milton Glaser A utilização da comunicação para discutir problemas políticos e sociais parte de cada um. Se você se incomoda ou não com o mundo em que vivemos é algo pessoal.
Na minha opinião não dá pra ficar em cima do muro. Eu não acredito que design seja uma profissão apolítica.
Acho que é a perfeita posição social para inserir discussões. No entanto só enxergo o design cumprindo a função exigida pela mídia: carros que você pode amar demais, de pasta de dente sentimentais e desodorantes sexuais. Qual a mensagem?
A minha vontade de estudar fora do Brasil vinha muito da maneira na qual o design é feito fora do país, da experimentação. Aqui descobri muita coisa sobre design e uma delas é que design não se ensina (conteúdo). Design não é algo que se 'tira' de às seis da tarde quando o expediente acaba ou algo que se 'põe' às nove da manhã quando vai para o trabalho. É algo que vive 24 horas com. Eu sempre me perguntei qual a diferença entre artista e designer.
E é por essa e outras razões que vejo a comunicação muito mais próxima da arte e com um papel muito importante na fabricação da cultura atualmente.
O artista e o designer tem a mesma capacidade de elaborar a "realidade", de tocar na ferida social, de colocar pra fora tudo isso de imaginação que cada um e todos tem. 'Design é um meio, não um fim em si só' Tibor Kalman O design brasileiro é muito influenciado pelo design dos Estados Unidos. Quem me dera que fosse apenas o design(!). Tive duas conversas bem interessantes na sede nova da ADG sobre isso e como o design gráfico brasileiro se posiciona seguindo padrões norte-americanos da profissão.

Design no Brasil é Business. Na minha viagem recente para São Paulo, perguntava pra todo mundo que encontrava, qual o papel social e político do design no Brasil. Poucas pessoas me responderam o seguinte: ele não existe. Fiz duas coisas que me deram um "update" do Brasil desses dois anos que estive fora e elas foram: ver 'Cidade de Deus' do Fernando Meirelles e ouvir o novo disco dos Racionais Mc's, que ao meu ver, é minha única maneira de me aproximar de uma realidade tão distante e tão perto da minha própria. Me assustei.
Se alguém me perguntar por uma resposta, uma solução, eu não tenho, eu não sei. "1% da população brasileira recebe acima de 3 mil reais."
O que me incomoda é a passividade no discurso político e social no campo de design gráfico. Todo mundo faz parte da mesma realidade e tudo que fazemos tem uma conseqüência. A passividade tem sua conseqüência.
A foto não tá bonita. Isso se sabe, isso se vê. O que se ignora? o que se evita? Por isso me incomoda tanto escutar que design social e político não existem no Brasil. Não existem porque não se pode, porque não se quer? O designer não é criador? solucionador de problemas? Então cadê a invenção/ discussão de tantos problemas realmente importantes na nossa vida? Vivemos eternamente como vítimas do sistema ou vamos conseguir elaborar o que não está sendo dito? Um grupo de jovens arrecada uma grana, troca por moedas de um e cinco centavos e dá para os meninos de rua distribuirem nos semáforos para todos os 'tios e tias' com os vidros fechados.

Outro grupo produz carimbos para notas de um real que dizem: Todos tem poder. Colam cartazes com a frase 'pau no Maluf', 'imagem não é nada. fome é foda'. Pintam os mosaicos preto e branco de São Paulo de um quarteirão da Faria Lima de coloridos e escrevem: São Paulo é a tua casa. Imagine se todo estúdio ou agência dedicasse um pouco do seu tempo para causas coletivas/ públicas? Minha idéia não é "Vamos mudar o mundo"!, mas que pelo menos comece a se fazer algo pra balancear mais o ambiente mental que todos fazem parte. "Designers podem fazer uma grande diferença, não apenas porque eles fazem as coisas mais aparentes - isso também ajuda - mas mais importante porque eles são, ou deveriam ser, especializados em colocar a imaginação em prática e estruturar mensagens para serem entendidas por uma enorme audiência." Max Bruinsma O que morro de medo é quando você entra numa sala do terceiro ano de design gráfico em São Paulo com 25 pessoas e pergunta quem faria um out-door para o Collor por cinco mil reais e apenas um se recusa.
O resto nem enxerga qual o problema de colocar o sentimento de lado - de 'ser profissional' - e trabalhar pelas cifras. Apenas pelas cifras. Pedro Inoue é designer gráfico e atualmente trabalha em Londres, com Jonathan Barnbrook. Sempre foi um forte colaborador da ADG.